sexta-feira, 4 de novembro de 2011

As Cores Escuras

        Andava a passo acelerado, como se estivesse sendo perseguido por fantasmas ou duendes. Deu uma espiada, dobrou ao fim da rua e correu toda extenção do quarteirão, ao cabo do que novamente dobrou a esquina e foi esconder-se num vão de guarita.
        Um objeto brilhante tinha em mãos; guardou-o na sacola que trazia presa às costas, olhou novamente a rua deserta àquele noite de domingo e saiu em passo acelerado.
        Dois caras estavam sentados numa parada de ônibus, esperavam a manhã chegar para que enfim os ônibus voltassem a circular, e mal se deram ao trabalho de olhar para o doente mental  maltrapilho e fedorento que passara, andando assustado, falando sozinho, carregando um saco de estopa imundo preso por uma imbira entrelaçada sobre o ombro esquerdo.
        "O que é esse estado mental pertubador? De quem estou fugindo?", pensou com sua loucura o homem que vivia de catar do chão um lixo brilhante qualquer, como se fosse a oitava maravilha do mundo e punha-se a admirá-lo. Mesquinho e neurótico, escondia sua jóia da vista alheia.
         Porém, se à frente topasse um pedaço de vil metal ou um caco de vidro colorido enterrado, naquele momento esta passaria então a ser sua nova riqueza, esquecendo-se e abandonando  instantaneamente o objeto antigo que carregara com tanto cuidado.
         Como todos em sua situação, não tinha consiência da própria enfermidade. Por vezes, da mesma forma como encontrava na rua sem querer algo realmente de valor, assim passava-lhe pela cabeça em raros momentos um pensamento coerente. A faísca elétrica que saindo do filamento avariado nos dá impressão de que a luz em breve voltará, apenas para em seguida tudo obscurecer novamente, arrastado no turbilhão desconexo da insanidade, para sabe-se lá quando surgir à tona novamente, feito apoio fugaz e inútil onde o homem vencido pela correnteza tenta se agarrar.
         Engana-se quem pensa que o louco padeça mais pela sua doença do que por outro motivo qualquer de que padece um ser humano sadio, seja pela fome, o frio ou a moléstia. Acomete-lhe como a todos a miséria e a decadência que aniquila a pessoa, seja esta ou não um espírito perturbado.
         Mas afinal, o que torna então esta criatura tão diferente dos indivíduos considerados sãos? Talvez a incapacidade de perceber o infortúnio em que se encontra imerso, existindo na sociedade como a mais baixa das criaturas, meio gente, meio animal selvagem.
         Em seu delírio imagina ocultar tesouros brilhantes que tira das sarjetas. Está totalmente rendido a essa estranha doença, impedido de reter o menor raciocínio coerente, desenvolver qualquer pensamento lógico que contrarie sua fantasia; preso na escuridão da demência onde foi atirado com todas as forças e onde há de permanecer durante um bom tempo exilado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário