domingo, 6 de novembro de 2011

Cinza de Manhã

Choveu muito nesse dia.
        Naquela hora em que o sol impede até de abrir os olhos, e o calor deixa os pensamentos lerdos, a vontade mole e o corpo encharcado de suor. Nesse dia desde a manhã vinha armando-se a chuva que caiu antes do meio-dia. Às cinco horas anoiteceu, e pela primeira vez em meses pôde-se dizer que aquela noite faria frio.
        Estava atrasado para o seu encontro, mas não deixava de observar os telhados das casas, os troncos das árvores, paredes molhadas, os vãos escuros, o vento arrastando o lixo da rua. Tralhas largadas num beco encardido.
        Uma única folha presa num galho. Uma poça onde metia o pé andando sem rumo, sem ambições. Gotas  passando-lhe próximas ao corpo que não chegavam a tocar-lhe.
        Respingos de lama, lembrando-lhe antigas trovoadas.
        Nesse mundo ancestral, ainda no começo do longo caminho da evolução, mais próximos do animal irracional que do modelo de homem que se guia pela razão. A natureza vive mudando, uma montanha, um carvalho, uma gota d'água ou  o desejo humano são menos que uma pincelada do artista em sua obra genial.
        Efêmeros como o menor dos átomos e a maior galáxia.
        E a vida que segue nos pega com seus afazeres.
        Até que um outro dia, este mesmo antigo sol torne a esquentar as coisas e as pessoas da cidade, pois sempre haverá pessoas nas cidades para contar o tempo.
        Mas alguém será novamente surpreendido pelo sol a despejar um último raio luminoso na janela, e ficará feliz sem saber por quê.
        Por um momento sentirá como se tivesse posto a cabeça para fora e depois submergisse, tendo agora a agonia de viver sabendo-se em breve um cadáver afogado.
       Nunca mais respirar esse ar, o modo de existir nesse momento. E o preço de caminhar por uma rua escura enquanto bate o vento frio, mesmo tendo o cuidado de a todo momento olhar para trás.

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