segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Cachorro e os Ossos

        Minha saudade era grande, maior que o Guajará, maior que um prédio de trinta andares, maior que ganhar de sete a zero. Fui atrás dela nos locais em que costumávamos frequentar, mas em nenhum deles foi-me permitido entrar novamente:
        -Mas eu preciso falar com ela!
        -Ela não está aqui! Seguranças!
        Na rua então era impossível achar qualquer coisa fora a imundície de sempre. Passei no mercado e peguei a birita mais escrota, sentei na sarjeta e comecei a encher os cornos de cachaça.
        -Fala, truta! Manda um gole pro seu amigo...
        Um desses senhores de baixíssima renda e sem problemas de IPTU sentou-se ao meu lado, mostrando um copinho de plástico que enchi só até metade:
        -Esse teu copo tá rachado.
        -Eu sei.
Disse e virou  de uma vez o goró que poderia matar um  adulto saudável, mas nele não fez nem cócegas. Perguntei se não queria mais um pouco e ele disse que achava aquilo tudo uma merda; a bebida, o próprio fedor, a vida:
        -Estou dizendo, é tudo uma merda mesmo. Queres ouvir minha estória?
        -Concordo com o senhor, mas não, muito obrigado, tenho que encontrar alguém e...
        -Não faz mal, conto assim mesmo, é difícil encontrar quem me escute! Bem, eu tinha uma empresa lucrativa e uma casa muito boa, carro do ano, empregados e essa pessoa que eu casei porque fiz um filho. Pois bem, a grana foi diminuindo, tive que demitir gente, me deseperei, comecei a meter coca pelos tubos e quase enlouqueci. Mas antes que acontecesse o pior, minha mulher fez a gentileza de me internar e conseguiu que um juiz me interditasse enquanto eu estava na clínica, para que ela ficasse com tudo o que eu tinha. Quando saí e voltei pra casa, ela me expulsou porque tinha colocado outro cara pior que eu lá dentro. Acabei de vir de lá, onde fui pedir um prato de comida e terminei ganhando um soco.
        -Putz, que merda! Toma mais um gole...
        -Mas o pior é ter que tomar essa porcaria! Isso é um lixo!
        O mendigo tinha razão. Porra, tanta coisa boa por aí e eu tomando uma cachaça horrível ao lado de um desqualificado em quem não tinha o mínimo interesse, com  pena de si mesmo porque não passava de um bosta? Saudade é uma coisa, idiotice é outra.
        Fui pra casa fazer qualquer coisa, deixando a birita para o infeliz que continuava a se lamentar da injustiça do mundo, mas que quando me viu indo embora despediu-se com uma pérola de Sabedoria da Lata do Lixo:
        -É como eu digo, camarada: a vida é uma merda mesmo, mas tem certas coisas que só fazem deixá-la pior...

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