domingo, 20 de novembro de 2011

Vista Contra a Terra

        Ela estava sentada com as pernas cruzadas, de frente para a correnteza barrenta e poluída, na grama sob as árvores aproveitando a sombra fresca e o vento da tarde. Distraía-se lendo na calma do lugar. Na outra margem via-se a mata nativa àquela distância intocada como num conto de fadas.
        Somente quem prestasse atenção percebia que haviam casas e até alguns bares lá, além das clareiras onde as árvores tinham sido arrancadas para melhor servir ao nosso conforto.
        "Servir a humanidade para que ela alcance seus objetivos, embora parecendo que essa busca resume-se a sexo, drogas e diversão, como se após superficial leitura do Carpe Diem concluíssemos que aproveitar a vida é gozar muito sem importar como; cerrando os ouvidos ao sofrimento alheio, embora anuncie pelos cantos sua boa vontade em reoganizar a sociedade de uma ponta à outra."
        A moça levantou a vista do livro aberto em seu colo e manteve a cabeça erguida enquanto apreciava o movimento turbulento das águas. Apenas ela cconhecia a dor que carregava por dentro, de quando perde-se algo muito querido e o que viesse agora não nos faria esquecer.
        Separada em duas metades como este rio que corre sobre nossas cabeças, onde voam os mais belos pássaros e as nuvens cruzam ao sabor do vento, ao contrário do rio cinzento que carrega os detritos da civilização e onde podemos afogar nossa vaidade.
        Sabia que era bonita, tinha o queixo gracioso e a boca perfeita, mas ao invés de sorrir estava séria como se dali só fosse levantar ao finalmente solucionar os problemas do mundo. Talvez tristeza por causa de algum paspalhão que a tivesse magoado ou então penetrava aos poucos no mistério desta vida. Durante algum tempo ficou ali pensando até que guardou o livro na bolsa e acendeu um cigarro.
        Deu o primeiro e o segundo trago, até que ouviu o barulho de gente se aproximando.
        Vinham dois rapazes conversando alto e rindo, passaram pela calçada próxima de onde estava e um deles não deixou de notar sua beleza, cutucando o colega que gargalhava feito uma franga histérica para que se  calasse.
        Estando praticamente do lado da moça, este  fez uma presepada para chamar atenção fingindo que estava tendo um ataque de tosse:
        -Cof, cof, gasp, argh, cof, vou morrer!!! Pôxa, meu amigo aqui até queria te conhecer mas ele falou que uma menina linda assim não devia fumar cigarro, né Oséias?
        O outro exibia um sorriso idiota na cara e balbuciou alguma coisa como resposta, só para tomar na lata:
        -Filhadaputa escroto, pois vá à merda tu e o bosta do teu amigo Oséias vai pra casa do caralho tomar no cú da mãe e não me enche o saco, porra!
        -Calma, bebê, foi sem querer querendo, era só brincadeira, né Oséias?
        De alguma forma os dois imaginaram naquelas cabeças privilegiadas que aquele papo seria uma espécie de xaveco ou cantada, mas acho difícil acreditar que foi isso mesmo o que eles realmente pensaram, ninguém seria tão estúpido.
        De qualquer forma, fazia tempo que não ouviam tantas verdades ditas na sequência e rapidamente por uma garota com raiva e coberta de razão; mais precisamente desde a última vez em que transaram com as namoradas, antes de serem trocados por vibradores a pilha e cacetes de borracha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário