sábado, 19 de novembro de 2011

Retornando a Manhã

     
       Olhava para frente e via os primeiros sinais do amanhecer surgindo no horizonte: o contorno dos prédios diluindo-se com a luz nascente e adquirindo o mesmo tom fugaz do ambiente; uma neblina esbranquiçada sobre as ruínas de uma madrugada entregue à bebida e ao fumo.
        Levantou-se da cadeira atrás de mais um cigarro. Encontrou vasculhando nos bolsos um Hollywood amassado e acendeu-o, mas queria mesmo era se jogar em qualquer lugar e dormir.
        Deu mais um gole na cachaça e foi trocando pernas sentar-se no sofá, ao lado de uma moça que roncava baixinho. A bebida liquidara o que havia sobrado  dos sentidos embotados, conduzia-lhe o pensamento por entre sono e vigília:
        "Estava voltando pela rua de casa bem cedinho, não tinha ninguém além de mim. Vi uma árvore grande que tinha florido e eu pude chegar bem perto daquelas flores verrmelhas, até que por trás do muro de alguma daquelas casas um cachorro latiu, mas eu caminhava sabendo o cheiro do café e do pão quente,e pela primeira vez pude sentir que algo valia à pena. Cheguei na frente de casa e saquei do bolso as chaves, olhei o cadeado de metal frio reluzente de amarelo e cinza, apenas esperando ser tocado para emitir seu ruído agudo. Então ao invés de entrar, por algum motivo que não posso explicar, instinto, sexto-sentido, intuição, podia ser qualquer coisa, guardei a chave de volta no bolso e sentei no batente.  Vi uma moça a se aproximar, acendi um cigarro e fiquei esperando que alguma coisa acontecesse."
        O cigarro acesso em uma das mãos desprendia fumaça que subia em espirais, o cheiro do tabaco parecia-lhe agradável, embora maldito e cancerígeno. O gosto do álcool na boca lembrava-o do desespero ao embriagar-se durante a madrugada, e o que sobrava queria meter-se dentro da garrafa na mesinha à sua frente.
        -Ainda estás acordado?
        Alguém tocou seu ombro e ele por um segundo imaginou se não era um dos caras que tinha levantado na sala, mas o timbre cristalino daquela voz não deixava dúvidas:
        -Oi Roberta. Na verdade eu achava que era o único ainda de pé por aqui.
        -Maneira estranha essa de ficar de pé se deitando no meu sofá...
        -Tens razão... E por acaso é uma garrafa de vinho isso aí na tua mão?
        -É sim. E tu queres ir lá dentro beber comigo?
                                                                          ...
As lembranças daquele dia infelizmente ficaram meio apagadas. Vasculhei o que pude da cabeça do infeliz, alguma referência sobre o que aconteceu no quarto da Roberta, qual a procedência daquele vinho, se é verdade que ela leu o Kama-Sutra. Mas de acordo com o que ele se propôs a relatar, apenas de alguma forma ali percebeu que ainda era possível ter paz de espírito e outras bobagens do tipo: como é inesquecível brindar com uma pessoa maravilhosa e agradecer o nascer do sol às seis da manhã de domingo, vendo o céu mudar de cor aos poucos até ficar azul-claro como numa explosão da natureza.

Um comentário:

  1. Adorei!!! Sério, esse foi muito foda! Adoro histórias com casais :)

    Adoro seus textos!!

    Abraços!
    Pri

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