quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

As Crônicas do Jaspion: Lorde Fumanchu

       "No príncipio, todos os habitantes de Terra Alta pertenciam à mesma raça, faziam as mesmas coisas, tinham as mesmas eperanças e sonhos, e dividiam, sob as bênçãos da Deusa Onion, a responsabilidade de proteger e preservar esta terra para as futuras gerações. Acontece que os afazeres eram tantos, que por uma questão de organização lógica cada família tornou-se responsável por determinado serviço, tornando-se especializados naquela função como nenhum outro seria capaz de fazer.
       Foi assim que a família com maior força física foi responsavel pelo trabalho mais pesado, enquanto os mais astuciosos desenvolviam truques e artimanhas sendo por isso respeitados, e por último, os nem tão fortes e muito menos ainda inteligentes, mas com uma enorme vocação para a contemplação, encontraram seu meio de vida na agricultura, que até pode não ser a mais nobre das funções, mas acabaram tornando-se responsáveis pela alimentação de todos e consequentemente pelo sacerdócio do cultivo das cebolas.
        Nesse tempo, embora corressem as coisas na mais perfeita normalidade, haviam esquecido o detalhe de que a vida não é um relógio, então alguma coisa acabaria dando errado, e vocês devem ter ouvido falar dela como um mito: a grande Sacerdotisa Pasárgada ainda era viva nesta época, e percebendo algo errado no ar, chamou todos para uma reunião em sua casa, no lugar onde hoje existe o altar dos sacrifícios, a Casa de Noca:
        -Famílias de Terra Alta. Fui alertada em sonhos nessa noite de que meu fim está próximo, e como Sacerdotisa de Terra Alta, um lugar encantado, não poderei permanecer aqui, devendo me ausentar por vários séculos, até que que o sangue de vocês, devido a mesquinharia, idiotice, vaidade, orgulho e loucura de todos aqui presentes, seja derramado como sacrifício à Fumanchu, o Senhor das Trevas, e eu seja obrigada neste dia a retornar para salvar os eleitos e levá-los ao país que terá o meu nome, e que brilhará sempre na escuridão ao menor sopro de esperança feito madeira em brasa, um brasil!
        O representante da família Muarte, um dos mais fortes, foi quem se levantou para discordar:
        -O quê? Não admito! Não admito! Sermos culpados pelo declínio de nossa boa gente? Se fosse possível acumular nosso suor numa represa, seríamos capazes de inundar o Belo Monte, de tanto que nossa família já trabalhou nestas terras! A culpa certamente não é nossa, pois de todos aqui reunidos, basta olhares em volta, vê-se que somos os melhores!
        O representante mais inteligente da família Magir pediu a palavra:
        -Um momento! Esquecem que se não fosse nosso engenho todos aqui trabalhariam em dobro e não produziriam nem metade do que é produzido hoje! Se alguém aqui merece ser bajulado, ao invés da família Muarte, somos nós, que além de tudo somos os mais bonitos, pois foram nossas mulheres com sua habilidade e tempo livre que inventaram os cosméticos e a maquiagem, sem o quê todos seriam feios e toscos igual a família dos Refugados, que não possuem nem beleza, força ou inteligência, apenas essa esperança absurda que faz com que passem suas vidas aguardando os vegetais crescerem, sendo que a Deusa Onion, como todos sabemos, é quem faz as plantas crescerem sozinhas no calor  de sua luz, sem a necessidade de perseverantes inúteis!
        A Sacerdotisa Pasárgada nunca se faria compreender. Sentiu que aquele era o ponto de ruptura, o momento descrito na profecia de que seria necessário partir, mas que um dia finalmente retornaria, e quando isso acontecesse buscaria apenas os aptos de coração, Muares, Magiros ou Grados, para viverem no país que seria construído apenas para seu deleite, enquanto Terra Alta acabaria destruída pela sanha maligna de seus próprios filhos:
        -Devo ir-me embora, mas antes um aviso: se continuarem os sacrifícios à Fumanchu, uma terrível maldição será lançada sobre todos, pois o orgulho, a vaidade e a inveja farão com que as diferenças acentuem-se à tal ponto, que chegará o tempo em que vocês não mais se reconhecerão como irmãos, que possuem a mesma origem e dividem o mesmo destino, independente da atividade ou função!
        -Vejam! Ela acabou de lançar-nos uma praga! Vamos acabar com ela! Fora! Vá embora Pasárgada!, gritou o representante Muarte.
        -Fora, fora, fora!, começou a gritar a família Magir.
Sem mais o que fazer, vendo o carma irresitível que levaria aquele povo a se autodestruir, a Sacerdotisa Pasárgada bateu asas e foi embora em direção às nuvens.
        E nesse momento um senhor muito alto e magro, de barbas brancas muito longas que chegavam-lhe até a cintura, apareceu sobre o altar da Casa de Noca em meio a uma cortina fedorenta de enxofre, exatamente como estava previsto que ia acontecer nas escrituras.
        Era o próprio Senhor das Trevas, Lorde Fumanchu:"
        (Continua)

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