domingo, 4 de dezembro de 2011

Do Arrastar Se Gasta

        Primeiro foi um pontinho de luz que durou menos de um segundo e sumiu na visão periférica do olho esquerdo, fato a que não deu muita importância.
        Depois um formigamento no corpo, como se tivesse areia quente por debaixo da pele, e uma vontade de coçar mas que não era bem uma coceira. Era como seus olhos, que agora cada vez que afastava-os rapidamente de um objeto, via um rastro de bolinhas brilhantes persistirem pelo caminho, formando uma imagem distorcida do tal objeto.
        "Algo que lançado dentro d'água produz muita espuma em volta ao afundar."
        Em seguida os sons começaram a tornar-se confusos, fosse possível havia esquecido a própria língua, não sabia se ainda conseguia pensar. As palavras mudando de sentido a cada frase, porque cada pensamento passou a dizer-lhe uma coisa diferente, e cada pensamento tornava-se outro pensamento que dizia-lhe outra coisa diferente que também virava um pensamento com vida própria, acumulando-se até não conseguir mais entender o que se passava em sua cabeça.
        As cores diferentes e esquisitas confundiam-se com as formas, então teve que fechar os olhos, caso contrário não tinha explicação para o que acontecia à sua frente: o azul virava laranja e depois verde e depois violeta e todas as cores podiam ser qualquer cor; e podiam transformar-se em qualquer objeto os objetos, pois não mais existiam, eram apenas imagens de si mesmos formados por bolinhas brilhantes, que faziam um barulho engraçado quando estouravam no ar.
        "Mas eu devia parar de beber!", pensou enquanto olhava o copo de bolhas ao lado da garrafa cheia daquilo que tinha tomado, com um gosto doce e forte feito raiz de planta ou casca de árvore, iguais as que apareceram imediatemente quando o laranja ou grená pensou sólido dentro de sua cabeça:
        -Ouço som de batucada, está cada vez mais perto!
        E na verdade era uma flauta, ou um violino, acompanhado de vários tambores sendo tocados juntos por Mozart e Beethoven com os braços de Vishnu, uma cadeira flutuando numa espiral, cachorros que latem na rua mais parecem um rinoceronte.
        -O cérebro, alguém passou sabão nele, por isso as coisas escorregam!
        -Seria melhor você lavar embaixo do chuveiro!
        -Pula mais alto pra cair a espuma!
        Arrebentou o cano com uma cabeçada, escorregou e quebrou o pescoço. A água formou uma poça tão grande que apareceram um ou dois peixes no corredor.

Um comentário:

  1. Bem louco seu texto cara, gosto de quem escreve com essa ousadia, sem pretensão, sem apego a nada, mas que é gostoso de ler. Ja to seguindo seu Blog.

    Abraço.

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