domingo, 25 de dezembro de 2011

A Bailarina Azul

        Ela estava acostumada a esperar pelo pior, não: acostumada a passar pelo pior.
        Tinha como inconcebível a idéia de que as coisas um dia poderiam dar certo, só que na verdade era muito jovem, não havia vivido ainda o suficiente para tomar sozinha suas decisões embora o que decidisse afetasse à todos em sua volta, e nunca chegava a consultar nenhum deles:
        -Quero só ver, sou de maior, já ganho meu dinheiro, vou morar com quem quiser e onde quiser, pois não aguento mais viver com a senhora sob o mesmo teto!
        -Mas minha filha, tens só vinte anos, não existe a mínima condição de viveres tu e esse garoto, que eu nem sei direito quem é!
        -Olha lá como a senhora fala que o Fabiano não é mais nenhum garoto, ele já vai fazer vinte e cinco anos!
        O que ela queria realmente não era viver com o Fabiano, mas como ainda não conhecia  suficientemente a si mesma, estava resolvida a experimentar o tanto quanto possível até um dia descobrir, embora disso também não soubesse e precisasse descobrir vivendo que ainda havia muito por descobrir na vida:
        -Ufa! Essa foi a última, né amor?
        -Ai, Bianô! Nem acredito que a partir de hoje a gente mora junto! Mesmo faltando comprar algumas coisas, já dá pra gente dormir aqui assim que montares a cama ali onde eu falei, aí depois a gente traz o resto das caixas!
        -Ainda tem mais?
        E tinham muitas, e sempre haveriam caixas e mais caixas, das mais variadas formas e tamanhos, e os anos se passariam, e a vida passaria depressa e não os deixaria perceber que iam acumulando caixas e caixas cheias de coisas inúteis, repletas de trastes que atraíam bichos e poeira, outras apodrecendo com a sujeira e o mofo de um tempo já desbotado na memória, até que enfim descobrissem que não precisavam de nada daquilo, que a nossa casa não é um depósito, que a companhia de alguém que amamos desfruta-se melhor em ambientes arejados.

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