terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Chá de Boldo

        Tem um cachaceiro na minha rua que vive falando aquelas arbitrariedades que bêbados falam, mas como está lá há tanto tempo, a gente até já se habituou com ele e damos vez ou outra um prato de comida e um trocado para ele comprar mais cachaça.
        Mas às vezes o álcool vem estragado, eu acho, e ele começa a gritar as besteiras que diz habitualmente com aquela voz engrolada mas que ninguém entende. Nessas horas sempre tem uma alma caridosa que prepara um chazinho e vai levar para ele, na esperança de baixar um pouco o calor no sangue do homem:
        -Toma, Estrupício, é chá de boldo. O gosto é ruim, podes tomar ou não, mas acredite, depois te sentirás melhor, porque essa é uma daquelas coisas que embora sendo aparentemente incômodas, a gente faz porque sabe que é pro nosso bem. Todo mundo que bebe chá de boldo conhece que faz bem pro fígado e dá uma aliviada na embriaguez, e é justo por isso que principalmente os bêbados costumam tomar esse santo remédio: pelo benefício posterior!
        Mas o rico Estrupício (sim, pois embora alcoólatra, sua família tinha grana e sua casa era a maior e mais bonita do bairro; o problema era que ele nunca achava o caminho de lá e preferia dormir na porta do Bar do Montanha, esperando ele abrir de novo no dia seguinte) sempre recusava o remédio, e usava seu raciocínio debilitado tantando explicar por que preferia continuar com o fígado derretendo:
        -Isso tem um gosto horrível! Se não me dá prazer imediato, como o álcool, qual o motivo que me levaria a tomar esta beberagem?
        -Bem, Estrupício, acredite ou não, tem quem tome chá de boldo com bolachas no café da manhã e acha bom, eu nunca entendi como, pois o gosto é realmente péssimo. Mas você devia fazer isso pela sua saúde! Pela saúde, entendeu! E olha que até ajuda a emagrecer, embora você não precise, seco como uma vara. O difícil mesmo é quem não tenha algum problema de saúde tomar esta porcaria de livre e espontânea vontade, o que não é o seu caso...
        -Estás dizendo que eu estou doente? Ora seu, vais tomar no...
        E surtou, começando a gritar as besteiras de sempre, jogando no chão o remédio oferecido, até que finalmente meses depois morreu de cirrose, que como todos sabem é uma moléstia silenciosa.

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