terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Trabalhos e Livros


        Sabia quem era, mais de nome que pessoalmente. A gente se via três vezes por semana na turma onde eu pagava uma matéria, e ela ficava mais na dela. Só que niguém passa despercebido, embora existam pessoas que pela maneira, pelos gestos contidos, pelas atitudes simples em meio a um grupo não se fazem notar, que se misturam facilmente na multidão e sentem-se bem assim.
        Ela fazia parte desse grupinho que sentava sempre junto, conversavam, gritavam, riam. Vestia-se normalmente, sem chamar muita atenção para seu corpo, talvez pelo ambiente de sala  aula mais que pelo gosto pessoal, o que às vezes não dava certo, pois quando vinha com uma saia um pouco curta ou qualquer coisa assim, era engraçado ver até outras mulheres virarem a cabeça para olhar quando ela passava perto.
        Teve esse um trabalho que valia a última nota, e por que cargas d'água fui acabar na mesma equipe com ela e  duas pessoas, nunca vou ficar sabendo. A gente dividiu o que cada um ia pesquisar, pessoal se virando como podia, que no final bastava juntar tudo e fazer as emendas necessárias para entregar a parte impressa, e quem tivesse dúvidas botava direto no grupo de discussão, pois o professor, embora fosse um pós-doutor super-ocupado, era bacana com os graduandos e se dignava a responder o que julgava pertinente, iluminando o caminho do que ele mesmo queria que fizéssemos.
         Só que ela estava com muitas dúvidas sobre a sua parte, que era praticamente o complemento da que estava sob minha responsabilidade, além do que eu tinha visto aquela matéria toda no ano passado, então nada mais natural do que, depois de alguns encontros na biblioteca, ela me convidasse a concluir a parte que faltava na casa dela, onde bastaria juntar o que havíamos feito com a parte que os outros enviariam e corrigir o necessário.
        Como ela estava só nesse dia, os pais haviam viajado ou saído, terminamos o que faltava sentados conversando no sofá, sem prestar atenção no filme que ela tinha colocado pra rolar, um negócio sobre arte eu acho, até que reparei na estante e comentei quantos livros bacanas ela tinha ali.
        -Eu sei, mas são da minha mãe. Ela lê muito, eu só os meus preferidos.
        -E quais seriam?
        -Nem todos dessa estante...
        Me levou no quarto dela e me mostrou seus preferidos: Rubem Fonseca, Gabriel Garcia Márquez, Dostoiévski, mais Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector, Bukowsky e toda essa literatura pop de grande valor artístico. Mas foi quando ela tirou guardado de dentro de uma gaveta numa mesinha ao lado da cama, e me mostrou um livro meio surrado, com as pontas das páginas puídas e a capa presa com durex, que algo me tocou por dentro e me fez estremecer:
        -Mas este aqui ó, é o meu livro de cabeceira, viu? Gosto tanto que não me canso de ler!
        Eu olhei pra ela, peguei o livro que não era o melhor do mundo, mas cuja estória eu poderia comparar à minha vida, e que vinha cruzando-a em diferentes situações desde a primeira vez que o havia tido em mãos, mas que nunca tinha conseguido lê-lo todo, e que naquele momento me fez perceber o quão especial era aquela garota aparentemente tão simples e sem mistérios.
         E passamos com conceito excelente.

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