sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Coral e o Beijo

        Admirava-a de longe, sempre cercada pelas amigas e às vezes por um ou outro pretendente a quem não dava bola. Sua beleza dava-lhe poder sobre os à sua volta, atraía-os como uma lâmpada acesa aos mosquitos da noite, e mesmo assim tratava-os educadamente. Dispensava os mais afoitos sem que estes ficassem magoados, alguns até achando que haviam conquistado o coração da moça, com o fiapo de esperança que ela largava de propósito, por brincadeira ou maldade, não se sabia ao certo.
        É engraçado como acontecem as coisas. Trocávamos algumas palavras apenas, mas nunca conseguia acompanhar as conversas dela com a gente que a rodeava, sempre comentando à respeito da roupa ou do carro de fulana ou fulano, do que faziam os atores dos filmes mais recentes, da última gafe da cantora famosa.
        Impressionava-me a capacidade de acharem digno de nota coisas tão banais, embora pudesse também palrar sobre praticamente qualquer assunto, por mais desinteressante que fosse, durante horas e sem precisar me esforçar, e no entanto evitava fazê-lo.
        Conhecia pessoas presunçosas assim, que à força de impressionar os outros enchem-se de orgulho e vaidade, retendo conhecimento feito enorme represa superfaturada, mas que só produziam energia útil durante um terço do ano, permanecendo a maior parte do tempo apodrecendo restos sob a aparência calma da superfície, sem perceber que assim destruíam toda a vida que existia nas profundezas, tornando-se em pouco tempo lago estéril.
        Mas foi num desses dias comuns, em que a gente acorda, sai de casa, volta e vai dormir sem saber que esteve vivo, porque caímos na rotina e os olhos, acostumados a ver as mesmas imagens sempre, não conseguem perceber nada de novo na paisagem, a menos que apareça ali uma girafa albina ou um elefante cor-de-rosa.
        Ela sentada sozinha num banco, perto da margem do rio, estava concentrada num livro do curso,mas quando me viu  passando do outro lado sorriu e acenou:
        -João, vem cá! Quero falar com você!
        Ouvir sua voz fez algo dentro do meu peito doer com uma pontada aguda: um ataque cardíaco, um enfisema galopante, úlcera gástrica, cirrose, alguma coisa que comi, ou aquela sensação mil vezes descrita e repisada por mil pessoas em mil épocas diferentes, mas que na verdade é única e indescritível?
        Cheguei perto dela e sentei-me ao seu lado, mas não sabia o que dizer, então esperei que ela começasse. Era uma dúvida na matéria da prova da semana seguinte, eu nem lembro mais, mas nunca vou esquecer da minha resposta:
        -Posso te dar um beijo?
        Não sei de que cor fiquei nem como tive coragem sufuciente, devia estar delirando ou sob efeito de alguma droga que botaram na água do bebedouro. Aliás, não tive certeza de dizer isso mesmo, porque ela permaneceu calada com uma expressão de espanto, talvez bolando um jeito de me dispensar sem parecer rude.
        Mas ao invés disso, outra coisa ela respondeu:
        -Pode sim...

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