Eles achavam que era algo escrito conscientemente, mas estavam enganados.
Numa sala com várias filas de pessoas em frente à máquinas de estenografia, passeava o Inspetor, fazendo vibrar seu chicote nas costas de qualquer vacilão:
-Não diz quem sou eu nesse teu texto de merda!
E ninguém tinha coragem de encarar o chefe, dizer para ele que aquilo era uma tirania, um absurdo:
-Uma tirania? Um escravo dizendo isso? Cala a boca e volte ao serviço, e tira essa última parte que tá uma merda! Mas antes um presentinho...
E deu uma lambada tão forte que fez abrir um rasgo na carne das costas, manchando de sangue o uniforme de serviço vendido pela empresa.
Na fila mais próxima da parede, ao ver o que acontecia, um colega travou sua máquina ao digitar uma sentença não-autorizada:
"Muito obrigado por tudo, pelo que estou sentindo, pela possibilidade de aprender, por estar vivo, por acreditar em Cristo, por ter forças para mudar, por tentar a cada dia não ser um babaca. Por qualquer coisa que ainda vá acontecer, e que se um dia por acaso eu perder esta disposição de espírito, que talvez um dia também a recupere."
O Inspetor veio estalando o chicote no ar, gritando para que todas as trezentas pessoas do Departamento De Escrevinhação Aletória podessem escutar e temer seu poder sobre o empregado infeliz:
-Huá huá huá huá huá! Seu miserável! Como ousa ter a petulância de agradecer por essa vidinha de merda! Por acaso não te bastam os açoites e a humilhação diária, seu verme? Não bastam as intrigas mesquinhas que faço correr por todo departamento, jogando vocês uns contra os outros? Não basta o fato de fazê-lo lamber minhas botas com graxa e deitar no chão por onde passo, para poder pisá-lo?
-Perdão, senhor Inspetor, senhor!
-Mentecapto! Além de escrever essas merdas não sabe nem ficar em posição de sentido! Vou fazer com que você seja transferido para as masmorras e atirado na máquina de picotar papel agora mesmo! Guardas, abram a grade!
-Com sua licença,senhor Inspetor, mas tudo menos isso, senhor!
-Huá huá huá huá huá huá!
Os guardas entraram e agarraram o colega. Alguns escravos chegaram a rir-se da sorte do condenado, mas não aguentei, aproveitei a confusão e corri para a porta, consegui roubar a arma de um dos carcereiros e dei uns tiros pro alto:
-Todo mundo de folga hoje nessa porra!
E foi assim que perdi aquele trampo maravilhoso, mas consegui um bem melhor.
Devido ao meu bom comportamento, comutaram minha pena de linchamento seguido de fuzilamento e decapitação para prisão perpétua, e hoje sou muito feliz como encarregado da biblioteca da prisão.
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