segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um Contito

 
        Hebúrneo tinha quinze anos, uma carteirinha da biblioteca pública onde a mãe trabalhava, cursava o primeiro ano do segundo grau, e o dinheiro que os pais davam de mesada, pouco é verdade, a maior parte ele gastava com livros e o restante com os lanches na cantina do colégio.
        Ficava puto quando seu irmão mais velho chamava-o de alienado por preferir na maioria das vezes livros da moda sobre vampiros e coisas de adolescente. Hebúrneo também não gostava muito desse negócio de ser adolescente, que nos dias de hoje virou praticamente sinônimo de babaca:
        -Sabe mano, estás por fora! Hoje em dia o mercado é voltado para o público jovem, que é super antenado, todo mundo quer ser jovem! Aposto que quando passares dos quarenta vais começar a ler os livros da minha estante e ainda vais achar bom!
        -Hebúrneo, Hebúrneo... Guarde bem minhas palavras. Li grandes autores quando tinha sua idade, e acredite, naquele tempo eles escreviam também para jovens. Aliás, desconfio que os grandes escritores sempre tinham em mente quando escreviam pessoas da sua idade, e ao invés de subestimá-los lançando porcarias alienantes em série, esforçavam-se por desenvolver um texto acessível, com idéias e situações que embora não fossem inteiramente compreeendidas por pessoas que ainda não tinham maturidade suficiente, pelo menos faziam o jovem perceber que o mundo é mais que um grupinho que se junta no pátio do colégio na hora do recreio para falar da fulana que começou a dar pra fulano, ou do sicrano que começou a beber e fumar maconha, do beltrano homossexual, etc. Em outras palavras, sabendo-os naturalmente adolescentes alienados, faziam de tudo para que eles procurassem interessar-se pela variedade de sensações e experiências que existem de verdade ao nosso redor. Mas é muito difícil prender a atenção de quem pensa que a vida se resume ao que passa na tevê, e ainda acha o máximo ver os dilemas próprios da idade edulcorados em situações que envolvem bruxos ou vampiros, afastando-os ainda mais do que é a realidade, ao invés de tratarem de gente de carne e osso.
        -Quer dizer que antes já escreviam para jovens, mas os personagens não brilhavam nem tinham varinhas mágicas?
        -Pelo contrário, sempre houve tudo isso. A diferença era que antigamente vocês eram respeitados. Hoje parece que a galera ávida por grana só se interessa em explorar a ingenuidade, boa vontade e o dinheiro da mesada de vocês.
        -E eu paro de comprar livros então?
        -Não, livros bons nunca deixaram de ser escritos. Apenas você deveria prestar mais atenção e diferenciar o que é veiculado pela grande mídia apenas para entreter do que vai realmente adicionar alguma coisa na sua vida. Com tanta informação circulando, e na idade em que você está de formação do gosto pessoal, é um crime não saber o que presta ou não, o que é entretenimento vazio, do que é a diversão profunda de um ser humano adulto: desenvolver o senso crítico e reforçar o entendimento das questões que vão lhe perseguir pela vida inteira, e quando você menos esperar vai descobrir que essa é a verdadeira magia.
        -Cara, pelo que eu entendi, vais querer bem que eu jogue fora minha coleção do Harry Píter! Isso nunca!
        -Tsc, tsc. Deixa pra lá...

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