terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Sobre Outro Lugar

        Frequentava a biblioteca da cidade, que sempre em qualquer lugar e por menor que seja, é um mundo a ser descoberto por uma criança. Quando encontrava algum autor que me agradava, tentava imitar seu estilo, fazendo uma espécie de paródia do livro que tinha acabado de ler, inventando outro final ou simplesmente continuando a estória de algum ponto que não me agradava.
        Depois de um tempo, e aquela biblioteca ainda utilizava um sistema de fichas, tornou-se uma obsessão ver a minha assinatura no maior número delas. Os bibliotecários já me conheciam e deixavam que levasse um livro a mais além do permitido:
        -E por que eles faziam isso?
        -Achavam que eu era louco e tinham pena de mim, talvez.
        Fui ficando mais velho e o tempo para leitura diminuía, embora vez ou outra ainda encontrasse tempo para escrever, principalmente quando nada dava certo, o que chegava a me incomodar fisicamente até: sentia um enjoo de tudo, uma ânsia de vômito que me fazia querer botar as tripas para fora. Desejava viver num lugar onde fosse possível ter asas e fugir para o alto, escapar como vaga lembrança neste arremedo de liberdade, apenas o azul do céu e as nuvens, e o calor do sol, e uma chuva no finzinho da tarde para refrescar.
        Mas é complicado.
        Tentei um emprego de revisor numa revista, não deu certo. Embora tivesse que ler a maior parte do tempo, a maioria dos textos era uma barbaridade do começo ao fim, mas ainda assim acabei demitido em seis meses porque o dono falou que eu não sabia português.
        -E você o que fez?
        -Bem, ele tinha razão, então parei de usar o Tupi e fui tomar umas aulas com um filósofo de botequim que me descolou essa posição aqui. E olha, faltando menos de um ano para aposentadoria, posso até dizer que não foi tão ruim não.
        -E os seus textos?
        -Que textos?
        -Ué, você não disse que vomitava, digo, escrevia algumas coisas?
        -Ah, não, me curei tomando uma colherada de bicarbonato todos os dias. O que sobrou roído pelas traças dei pro meu neto brincar, ele se diverte porque nessa idade a gente não leva nada a sério.
        "Então sentiu o alívio de pôr os óculos, apoiar-se na bengala, mastigar os legumes da sopa com a dentadura completa, o corpo praticamente uma prótese. Até quando já não teve mais forças para levantar-se da cama, e o pensamento atravessava a fronteira definitiva no momento em que os olhos enxergavam aquela imagem pela última vez."
        Epílogo:
        -Ainda bem que esse não teve nenhum palavrão!
-Porra, valeu!

2 comentários:

  1. Ler, escrever, biblioteca, eta coisa boa!

    É muito bom a gente ler algo como esta postagem que fala daquilo que a gente sente, até parece que está falando de mim.

    É maravilhoso mergulhar nos mundos dos livros, imaginar os lugares, sentir o que o personagem sente, ver o que ele vê. Depois a gente até se mete a escrever.

    Um abraço caro colega.

    Obrigado pelas constantes visitas no meu humilde blog.

    P.S. Você já perdeu o ônibus alguma vez por estar concentrado lendo um livro? re re

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    Respostas
    1. Pior foi a vez em que estava lendo andando de bicicleta e não vi o sinal vermelho!!! (brincadeira)
      Continue escrevendo que a gente continua lendo.
      Um abraço!
      :)

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