segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Gabba, o Ogro

   

        Ele andava pela rua apressado, com as mão metidas nos bolsos e olhando apreensivo para os lados, como se procurasse alguma coisa ou temesse ser encontrado por alguém, até que parou numa esquina em que havia um bar aberto e tinha uma tevê ligada com futebol, onde entrou e pediu uma cerveja enquanto acendia um cigarro se escorando no balcão:
        -Quanto tá esse jogo?
        Empatados, os dois times se digladiavam num gramado com água até a canela, mas reparando ao redor ninguém realmente dava a mínima pro jogo. Prestavam mais atenção nos copos vazios e nas moças bonitas que vez ou outra passavam:
        -Não sabia que boneca andava, belezura...
        -E eu que animal falava, sua besta!
        -Impressionante essa criatura, não pode receber um elogio!
        Assim pensavam todos em redor, contaminados pelo mesmo clima festivo de um jogo entre as duas maiores torcidas da cidade: ao mesmo tempo que cria-se a tensão de uma inimizade e permissividade que dependendo do resultado em campo e do nível de álcool no sangue da galera, pode ser facilmente derramado pelos contendores de uma possível briga para defender o time do coração:
-E olha que quando estou chapado eu dou porrada que nem sinto!
        -É verdade, mas no outro dia quando acordas tens de ir pro hospital para ser costurado, engessado, emendado, desempenado, etc...
        Mas era um jogo ruim pois havia chovido a tarde toda, só agora que o sol tinha aparecido, mas dali à pouco ia anoitecer. Daí toda cidade se infestaria das ratazanas fugidas dos esgotos entupidos de água, de lama, cachaça, drogas, vermes, lixo.
        Era uma merda, um cenário que prenunciava o caos, mas Gabba permanecia ali, escorado no balcão.
        Tomava a quinta ou sexta cerveja, assistia à final de um jogo a que não tinha nenhum interesse, via-se conversando coisas desinteressantes com pessoas igualmente desinteressantes, incapazes de despertar a menor curiosidade até no mais vil artista da fome alheia, e teve vontade de indagar daqueles ali o que achavam de suas vidas, mas novamente eles não entenderiam, pois nenhum ogro entendia.

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